Índios de Roraima têm chance em corte internacional, diz ex-relator da ONU domingo, jun 29 2008 

CAROLINA GLYCERIO

da BBC Brasil, em São Paulo


Os índios da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, ganhariam um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos se a área da reserva fosse alterada e o caso fosse levado à instância internacional, afirmou o ex-relator da ONU para os Direitos Humanos dos Povos Indígenas Rodolfo Stavenhagen.

Ele comparou a crise à que aconteceu em 2001, na Nicarágua, com a comunidade indígena mayagna, de Awas Tingni, que teve sua terra ameaçada por concessões de exploração dadas pelo governo a companhias estrangeiras. Os índios apresentaram o caso à corte, que reconheceu o direito histórico dos índios à terra disputada.

“Foi um divisor de águas na jurisprudência internacional, foi a primeira vez que a corte interamericana assumiu a defesa aberta dos direitos dos povos indígenas”, disse Stavenhagen, atualmente baseado no México.

Segundo o ex-relator, “essa sentença é válida para o Brasil”.
Com uma área de 1,7 milhão de hectares, a reserva indígena Raposa Serra do Sol foi homologada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em meio a uma polêmica antiga em torno da localização da reserva na região da fronteira com Guiana e Venezuela.

Nos últimos meses, o debate chegou ao Supremo Tribunal Federal depois que a Polícia Federal tentou retirar da reserva produtores de arroz que há anos ocupam parte da terra indígena, supostamente com o consentimento de parte dos índios.

Existem 33 ações no STF que contestam a demarcação da terra indígena, incluindo uma do governo de Roraima – que contesta o laudo antropológico no qual o governo federal se baseou para homologar reserva em área contínua.

‘Violação grosseira’

O ex-relator da ONU, que deu palestra sobre os direitos dos povos indígenas na Universidade de Brasília (UnB), diz que vem recebendo informações “preocupantes” dos índios da Raposa Serra do Sol quanto ao “perigo” de a área da reserva ser revista.

“Notícias de que a Suprema Corte (STF) e alguns ministros têm feito declarações contra essa conquista de direitos humanos (a homologação da reserva) são muito preocupantes”.

“O reconhecimento do território de acordo com a Constituição de 1988 e com a legislação internacional é um passo muito bom para os direitos humanos dos povos indígenas, derrubar isso seria problemático, uma grosseira violação dos direitos adquiridos.”

Stavenhagen diz que usará a visita ao Brasil para reunir dados sobre o caso que apresentará a seu sucessor, o atual relator da ONU para povos indígenas, James Anaya, e ao Conselho de Direitos Humanos da entidade.

Ele refuta o argumento de que a constituição de uma reserva indígena em área de fronteira represente ameaça à segurança nacional.

“A defesa dos direitos humanos dos povos assentados seria a melhor defesa do território nacional e da segurança nacional. Haveria uma verdadeira integração do território nacional, não compreendo por que alguém possa se sentir ameaçado pela defesa dos direitos indígenas.”

O ex-relator argumentou ainda que não há nenhuma ameaça à segurança dos países do continente americano atualmente e disse que uma mudança dessa situação seria “problema do Brasil”.

“Eu falo da perspectiva dos direitos humanos dos povos indígenas, que sempre foram vítimas do racismo, e agora que tem direito adquirido a essas terras, o argumento que surge é o de que eles são ameaça. Esse argumento não é válido, não sei quais as motivações”.

O ex-relator elogiou a postura do governo brasileiro de demarcar e homologar terras indígenas como “um grande avanço” e defendeu a expulsão dos produtores de arroz da reserva.

“A situação (da reserva) é inteiramente legal, são eles que estão na ilegalidade, foram para lá mesmo depois da demarcação”.

Índios pedem apoio britânico para reserva de Roraima domingo, jun 29 2008 

DANIEL GALLAS

da BBC Brasil, em Londres

Dois índios brasileiros se reuniram com parlamentares britânicos nesta quarta-feira em Londres em busca de apoio internacional para a reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Jacir José de Souza, da tribo Makuxi, e Pierlangela Nascimento da Cunha, da tribo Wapixana, se reuniram com parlamentares de uma comissão multipartidária sobre povos tribais do Parlamento britânico.

A reserva indígena tem sido alvo de disputa entre plantadores de arroz e índios. Na segunda metade deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) deve decidir se a homologação das terras, feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005, é constitucional.

Uma das ações contra a reserva indígena é do governo do Estado de Roraima –que contesta o laudo antropológico no qual o governo federal se baseou para homologar reserva em área contínua.

Interferência

No encontro, os dois índios falaram aos parlamentares sobre a disputa no STF do governo de Roraima contra a homologação da reserva.

“Nós não estamos pedindo parte financeira não. Nós estamos apenas pedindo às autoridades [internacionais] para que elas nos ajudem a confirmar a nossa terra que esta demarcada e registrada”, disse Souza à BBC Brasil.

Uma das entidades que apoiou os índios na viagem à Europa, a Survival International, afirmou que “não espera a interferência dos parlamentares em assuntos internos do Brasil”, mas apenas quis ajudar a “levar aos parlamentares a história dos índios”.

A Survival International, que é sediada em Londres, afirma que a viagem foi financiada pelos próprios índios através do Conselho Indígena de Roraima, entidade que foi fundada por Jacir José de Souza.

Após o encontro com os índios brasileiros, os parlamentares britânicos se disseram “simpáticos à causa”, mas que dificilmente poderiam interferir no assunto, que cabe ao judiciário brasileiro.

“Eu gostaria de ver a demarcação da área tribal protegida”, disse o diretor da comissão multipartidária sobre povos tribais do Parlamento britânico, o deputado liberal-democrata Martin Horwood.

“Nós respeitamos os processos legais que estão acontecendo no Brasil e nós não temos intenção de interferir nisso, mas seria uma vergonha se o bom histórico do Brasil de reconhecimento de direitos indígenas for manchado pelo resultado deste caso.”

Além da Grã-Bretanha, os índios brasileiros também visitarão grupos na França, Itália, Bélgica e Portugal. Eles já estiveram na Espanha.

A reserva Raposa Serra do Sol foi homologada em 2005 por um ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As terras ocupam 1,7 milhão de hectares em Roraima, perto da tríplice fronteira de Brasil, Guiana e Venezuela.

Existem mais de 30 ações no Supremo contra a demarcação da reserva indígena de forma contínua.

Neste ano, a Polícia Federal tentou retirar da reserva produtores de arroz que há anos ocupam parte da terra indígena, supostamente com o consentimento de parte dos índios.

Fronteira não pode ficar “a reboque” de índios, diz general domingo, jun 29 2008 

HUDSON CORRÊA

SÉRGIO LIMA
da Folha de S.Paulo, em Brasília

A política indígena do governo brasileiro, complacente com a atuação de ONGs estrangeiras na fronteira amazônica, ameaça a soberania nacional. A afirmação é do general-de-brigada Luiz Eduardo Rocha Paiva, comandante de 2004 a 2006 da escola que prepara os oficiais superiores do Exército.

Paiva, 56, endossou em entrevista à Folha as críticas do general Augusto Heleno, responsável pelo CMA (Comando Militar da Amazônia), quando eclodiu o conflito entre arrozeiros e índios na reserva Raposa Serra do Sol (Roraima).

“Eu acho que na faixa de fronteira tem que ter cidades, vilas, comércio. A terra indígena impede o surgimento. Somos 190 milhões de habitantes. Não podemos ficar a reboque de 700 mil [índios]”, disse.

O general acha que, como estão pouco povoadas, as reservas na área de fronteira podem virar territórios autônomos: “Se o brasileiro não-índio não pode entrar nessas reservas, daqui a algumas décadas a população vai ser de indígenas que, para mim, são brasileiros, mas para as ONGs não são. Eles podem pleitear inclusive a soberania”.

Paiva afirma que o Estado “não se faz presente”. “A Amazônia não está ocupada. É um vazio. Alguém vai vir e vai ocupar. Se o governo não está junto com as populações indígenas, tem uma ONG que ocupa. As ONGs procuram levar as populações indígenas a negar a cidadania brasileira. Elas atuam sem o controle do Estado brasileiro. Ligadas a interesses estrangeiros, são um perigo.”

O risco maior, segundo o general, está na região entre Roraima e Amapá, devido à influência de Inglaterra (sobre a Guiana), França (Guiana Francesa) e Holanda (Suriname) e aos interesses dos EUA. “Eu acho que podemos perfeitamente caracterizar a ameaça e dizer o nome desses atores.”

Na fronteira com a Venezuela e com a Guiana, na região da Raposa/Serra do Sol, o Exército mantém pelotões especiais, mas o general diz que isso de pouco adianta. “O pelotão de fronteira não defende nada. É preciso uma ação de presença importante, mas para vivificar. Vivificar com gente brasileira, inclusive com o índio.”

Paiva, que passou à reserva em julho passado, disse que “a cobiça pelas riquezas” da Amazônia é o assunto principal da Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), que fica no Rio de Janeiro.

“Quando eu cheguei ao comando da escola, já era o assunto mais importante. Eu continuei estimulando para que o assunto mais importante, a ser estudado, fosse a Amazônia em relação à ameaça”, afirmou.

As idéias do general ainda circulam no meio militar. Ele deve publicar em breve artigo sobre ameaça à Amazônia na revista “Idéias em Destaque” do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica. Em 2006, o general publicou um artigo na revista da Eceme sobre “vulnerabilidade, cobiça e ameaça” à Amazônia. O material foi republicado na edição de março e abril na “Military Review”, edição brasileira.

Paulo Egydio conta domingo, jun 29 2008 

Mais um livro encontra-se disponível para download na estante virtual.

Lançado recentemente, em 2007, com apoio do Banco Itaú, Paulo Egydio conta traz a trajetória pessoal e política de Paulo Egydio Martins, governador do Estado de São Paulo de 1975 a 1979.

O início de seu mandato – marcado por forte turbulência, o que fez com que em âmbito nacional a sociedade civil pressionasse cada vez mais sistematicamente pela abertura política – é evidenciado pelo nítido e firme posicionamento de diversas instituições contra a tortura, pela campanha para a revogação do AI-5, bem como pelo surgimento e organização do novo sindicalismo. Logo nos primeiros dias do governo Paulo Egydio, ocorreu o assassinato de Vladimir Herzog, em outubro de 1975 e, meses depois, em janeiro de 1976, de Manuel Fiel Filho nas dependências do DOI-CODI, que causaram grande indignação e comoção no País.

Paulo Egydio Martins conta neste livro sua participação ou visão dos acontecimentos que lhe foram dados viver ou testemunhar. Expõe valores que o nortearam na vida pública e privada. Descreve as realizações de seu governo, como as ações na área da Saúde, a criação do Instituto do Coração, a criação da Unesp – Universidade Estadual Paulista, a construção da rodovia dos Bandeirantes e a criação do Seade – Sistema Estadual de Análise de Dados. Narra sua origem e extensa ramificação familiar, dramas e sonhos, viagens, missões diplomáticas e comerciais, apresenta amigos, personalidades políticas e empresariais. Conta a sua versão da polêmica invasão da PUC, interpreta a história a partir de documentos que guardou ciosamente e com os instrumentos que a memória lhe permite. No tempo presente, acerta suas contas com o passado.

(Trecho extraído da Apresentação).
Acesse: www.cpdoc.fgv.br/producao_intelectual

Obama, McCain e o Brasil domingo, jun 29 2008 

Quarenta anos depois do assassinato de Martin Luther King, a candidatura do senador negro Barack Obama à presidência dos EUA por um dos dois grandes partidos do país faz de 2008 um ano histórico, independentemente dos resultados das urnas em 4 novembro. Essa não é a única razão por que a campanha pela Casa Branca tem especial significado para o Brasil – a maior nação de herança africana fora da África. Esta é a primeira campanha presidencial americana em que temas do interesse nacional dos brasileiros – biocombustível, comércio, o lugar do Brasil no mundo – têm espaço nas plataformas dos candidatos, como atestam declarações recentes de Obama e seu rival republicano, John McCain.

Três fatores explicam a novidade. A alta dos preços do petróleo e a preocupação crescente com mudança climática ampliaram o espaço para as fontes renováveis de energia e trouxeram o etanol de cana-de-açúcar, o melhor entre os biocombustíveis, para o centro da discussão. Do lado negativo, o ambiente de insegurança econômica que os americanos respiram (e que muitos deles atribuem à globalização) travou a agenda comercial em Washington e alimenta agora um duro debate eleitoral sobre política de comércio exterior – o tópico que há décadas domina as relações bilaterais Brasil-EUA. Somam-se a isso os efeitos políticos da forte perda de prestígio internacional que o país sofreu na atual administração. Cientes de que a restauração da credibilidade americana no mundo será tarefa prioritária da próxima administração, McCain e Obama, diretamente ou por meio de assessores, têm sinalizado que suas estratégias de reinserção dos EUA no mundo incluem o reconhecimento do novo peso internacional do Brasil estável e democrático que emergiu nos últimos 13 anos.

Nada disso deve alimentar expectativas de que a relação com o Brasil estará entre as prioridades dos EUA a partir da posse do sucessor de Bush, em 20 de janeiro de 2009. Em seus dois primeiros anos de governo, o próximo presidente americano estará ocupado com as guerras no Iraque e no Afeganistão, com a instabilidade no Paquistão, com a política nuclear do Irã e com o processo de paz entre israelenses e seus vizinhos palestinos e sírios, peça central para o sucesso de qualquer estratégia racional dos EUA para estabilizar o Oriente Médio e drenar as fontes de terrorismo na região.

Ainda assim, não faltarão espaço e oportunidades para preparar o caminho para entendimentos que possam dar conteúdo e profundidade ao diálogo correto e cordial, mas ainda superficial, que existe hoje entre os dois países e seus governos. É recomendável, no entanto, que os brasileiros interessados em relações mais conseqüentes e produtivas com os EUA evitem presumir o resultado da disputa de novembro.

Muitos empresários e executivos parecem já ter concluído que o republicano McCain vencerá as eleições e que sua vitória é boa para o Brasil. Não há muito que respalde esse cálculo. O triunfo de Obama nas prévias eleitorais contém parte da resposta. Os cofres abarrotados de sua campanha e as pesquisas de opinião divulgadas desde que o senador de Illinois garantiu a candidatura democrata indicam que suas chances de chegar ao poder são superiores a 50%. Além disso, a conjuntura opera a seu favor.

Herdeiro político do mais impopular presidente da História americana em décadas e de um legado que inclui uma economia batendo os pinos, preços de combustíveis em alta, a pior crise de moradia desde a Grande Depressão e uma guerra que a esmagadora maioria dos americanos desaprova, o septuagenário McCain busca a Casa Branca num péssimo momento para os republicanos. Este panorama, evidente nas sondagens de opinião, foi confirmado em semanas recentes pela derrota de candidatos conservadores em três eleições especiais para o Congresso realizadas em distritos eleitorais tradicionalmente republicanos.

A campanha mal começou, Obama é um político inexperiente e pouco testado, a disputa será duríssima e não se deve descartar uma vitória de McCain. Em tese, o senador do Arizona é, de fato, o candidato que tem as posições mais alinhadas com os interesses mais imediatos do Brasil. É crítico, por exemplo, do protecionismo agrícola, incluindo os subsídios à produção de etanol do milho e já se declarou a favor da inclusão do Brasil no Grupo dos Oito. Cabe, no entanto, uma ressalva. Uma das poucas certezas das eleições de novembro é que os democratas, que são mais protecionistas, ampliarão suas maiorias nas duas Casas do Congresso. Seja quem for o sucessor de Bush, não será fácil restabelecer o consenso sobre política de comércio exterior em Washington e abrir o caminho para a conclusão da Rodada Doha – o objetivo mais urgente da diplomacia brasileira. Não se deve subestimar, tampouco, a possibilidade de um governo McCain desencadear ações no Oriente Médio ou em relação a Cuba que acirrariam a instabilidade internacional, contrariando os interesses do Brasil.

Em contraste, a promessa de renovação do papel dos EUA no cenário internacional representada por Obama poderia ser mais interessante para o Brasil. É verdade que na questão mais premente do comércio ele condicionou a retomada da pauta a uma negociação de políticas domésticas capazes de responder aos problemas que alimentam a sensação de insegurança econômica dos americanos. Entre estas estão considerações sobre o impacto ambiental e social do comércio. A lógica sugere que um presidente democrata teria maiores chances de negociar tais acordos com um Congresso controlado por seu partido e reativar a agenda de comércio exterior – um componente essencial de um reengajamento construtivo dos EUA com o mundo. Nesse cenário, a questão é como responderá o País governado pelo Partido dos Trabalhadores, que proclama a superioridade ecológica do etanol de cana e afirma ser de seu interesse nacional preservar a Amazônia.

Paulo Sotero, jornalista, é diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington