Neste final de 2008 devemos a Nelson Jobim, um jurista, e a Mangabeira Unger, um acadêmico de português enrolado, um dos atos de governo que mais deverão influir no futuro de nosso País: a nova Estratégia Nacional de Defesa, anunciada pelo presidente Lula, que se prenunciava como um governo de esquerda radical, revanchista e, no entanto, avança em sintonia com as Forças Armadas. Agora está mais do que claro que defesa nacional não é assunto exclusivo de militares, mas da sociedade e das instituições. Contrastando com a política de segurança nacional do tempo da ditadura, que se voltava exclusivamente para correr atrás de comunistas, a estratégia de defesa do nosso País propõe-se a nos transformar em uma potência militar pacífica e, sobretudo, realça o papel constitucional das Forças Armadas para a defesa do nosso território e da nossa soberania.

Há inúmeros pontos a salientar nesse trabalho de inteligência militar construído discretamente pelos ministros da Defesa e de Assuntos Estratégicos, mas um em especial se enquadra no que há de mais urgente e de maior repercussão para o Brasil e para o mundo: a defesa da Amazônia. Presença maciça no litoral, nos grandes centros urbanos, urge a transposição dos militares para esse imenso e complexo espaço do nosso território, olhado com ambição mais intensamente desde as primeiras décadas do século 20, quando para cá vieram cientistas norteamericanos e daqui saíram embriagados pela grandeza e imenso potencial da maior floresta tropical do mundo e difundiram idéias separatistas que brotavam do próprio território nacional. O jornalista Genival Rabelo reproduziu no livro Ocupação da Amazônia, de 1968, artigo de um geógrafo norteamericano, Earl Parker Hansen em que afirmava:

“De 1931 a 1933 tive a satisfação de visitar a maior parte do território do Amazonas e dos Andes do norte da América do Sul, durante uma viagem científica de cerca de 30 mil quilômetros, por conta da Carnegie Institution. Quase em toda parte ouvi manifestações sobre a possibilidade de que seis regiões fronteiriças da bacia se separassem dos respectivos governos e se unissem para formar uma nova nação do Amazonas. As manifestações deram em nada, mas o descontentamento não passou desapercebido nas diversas capitais”. A cobiça internacional sobre o Amazonas foi detalhada pelo professor Arthur Cezar Ferreira Reis em pesquisa histórica editada em 1965 e desde então só têm se aprofundado os sinais de que corremos o risco de perder metade do território brasileiro. Com frequência se apregoa que o inglês é mais fluente que o português entre nossos índios da Amazônia. E mais se diz, como o absurdo de que nas proximidades de algumas tribos só tem acesso quem passa pelo crivo de um pastor norteamericano, comentário de um advogado pernambucano, Joel Câmara, atualmente vivendo em Brasília e dedicado a estudos amazônicos.

A idéia da rodovia Transamazônica no tempo da ditadura, anos 70, teve duas vertentes: abrir novas fronteiras para o êxodo de nordestinos fugidos da seca e criar as condições para garantir a soberania nacional sobre a floresta. A rodovia virou atoleiro, mas o núcleo, o fundamental da idéia, permanece, agora dentro de uma estratégia nacional cujo projeto afirma: “A Amazônia representa um dos focos de maior interesse para a defesa. O Brasil será vigilante na reafirmação incondicional de sua soberania sobre a Amazônia brasileira. Repudiará, pela prática de atos de desenvolvimento e de defesa, qualquer tentativa de tutela sobre as suas decisões a respeito de preservação, de desenvolvimento e de defesa da Amazônia”. Adicione-se à idéia da defesa da soberania nacional o papel extraordinário que poderão representar os militares na preservação da floresta, acabando de vez com as queimadas, restaurando o que vem sendo depredado pela pecuária e monoculturas. Essa contribuição histórica dos ministérios envolvidos no projeto de defesa nacional, com o reconhecimento de todos os brasileiros, fardados ou não.

Jornal do Commercio, editorial, p. 12

Recife, 28 de dezembro de 2008